SALOMÉ LAMAS

deveria. bebericar cerveja magrebina. fumar narguilhá qual verdemuco lagarta de Carol. ponta de pés cruzados sobre assento de pele. e tinta cor de fundo deslizaria então.
mas não.
imagens de um outro que não eu.
meus são agora os teus eus. brincas. deverias não a conhecer.
não a conheço.
ela teria olhado muito tempo para ti e perguntado, o que queres. tu dizes querer tentar reconhecer isso nela.
quero tentar.
espelhos de matéria recíproca de suasnaodelemesmas caras. não procures o destino de maria e joão nas imagens que te deitam ao colo. se todo o tempo é eternamente presente todo o tempo é irredimivel.
novos movimentos de significâncias se geram em torno de imagens trouvé. a fita gomada rác, rác, rác, violenta-as. o gesto ele mesmo desenha seu sentido. tornam-se objectos da lepra, explodem como sacos de pó. explodem como sacos de pó. fandangos binómicos. ficção-realidade, voyeurismo-opacidade, progressão-simultaneidade. a banalidade do comum é aqui o relevante véu tímido de tudo o que é significado na medida em que o presente não é limitado ao espectáculo da contemporaneidade, o de outrora é também sua parte.
vemos imagens jamais apreendidas senão através do reprocessamento da matéria.
imagens violadas, rác rác para depois por meandros de prazer receberem a sua hora natal. (re)fixadas, encharcadas, lavadas, pesadamente translúcidas, fantasmas de colorações de vontades perdidas.
a pureza da nova imagem implica a ausência de um tempo empírico, de um fora de campo, de uma voz off , de verdade. são dialécticas de sentir que se passeiam na rua. tecem-se narrativas de condutas biunívocas. contradições ontológicas de época e formalismos tautológicos.
auxiliares reminiscentes. outros que erguem matéria como estandarte. matéria esquecida outrora. a origem é portanto entelequia e na entelequia o devir encontra casa.
e a história das coisas diz que através desta o singular cristaliza e se fixa em totalidade.
meus são agora os teus eus. brincas. fita gomada na mão agente da hermenêutica, tradutor rác. rác. imagens recriadas na misericórdia da tradução dos tempos que correm à frente.
um dia eu vi um leão rugir num continente esquecido.


salomé lamas, praga, vinte e quatro de outobro de dois mil e sete.


Sobre Imagem I, Desconstruída II, Camada sobre camada III, Reconstruída IV, Fixada V,
in E assim por diante até ao infinito, Vivóeusébio colectivo de Design e Mónica Lima Gomes, Lisboa, 2007.